Numa luminosa manhã de inícios de Setembro, debruçada sobre o parapeito de uma janela aberta, Constança procurava um pouco de paz e ar puro. Toda aquela semana tinha sido um pesadelo. Os preparativos para o casamento da sua irmã Maria Clara tinham arrastado toda a sua família para uma agitação constante. Do interior da casa faziam-se ouvir discussões entre as suas primas e a sua irmã. Todo aquele ambiente saturava-a. Tinha de sair rapidamente. A poucos passos da sua casa, ao virar da esquina, entrava na Avenida da República, rua muito movimentada, onde sem dificuldade fez parar uma tipóia ao seu primeiro sinal.
- Terreiro do Paço, por favor - disse.
Após um solavanco a tipóia começou a avançar lentamente. Através da janela contemplava a beleza de Lisboa dos finais do século XIX.
- Uma menina de bem como a filha dos Condes d'Avelar não deveria de andar sozinha nestas perigosas ruas de Lisboa - retorquiu ironicamente uma voz à sua frente.
O rapaz da tipóia olhava-a de soslaio. Constança, indignada com tal ousadia, estudou-o cuidadosamente. Aquele jovem rapaz não deveria ter mais de dois anos que ela. Por breves segundos os seus meigos olhos pretos azeitona encontraram-se com os olhos azuis desafiadores dela.
- Desculpe, disse alguma coisa? - Questionou-o com desprezo.
Constança julgou ver-lhe espelhar-se um sorriso nos lábios.
- Porque sorri? - Atirou-lhe de chofre.
-Desculpe a minha ousadia, mas não pude ficar indiferente à sua nostalgia - respondeu-lhe.
Chegavam agora à Praça do Comércio. A tipóia abrandou, acabando por parar. O rapaz desceu para lhe abrir a porta. Ao sair Constança encarou-o de frente. Hesitou. Uma madeixa de cabelo descaiu-lhe para os olhos. Não pôde deixar de se sentir atraída por tão jovem e esbelta figura. Instintivamente a sua mão ergueu-se e afastou-lhe a madeixa, deixando a descoberto aqueles belos olhos. Corando recuou, tão rapidamente como se tinha aproximado. Os olhos de ambos brilharam, a atracção era mútua. O rapaz aproximou-se pegando-lhe na mão e curvando-se numa pequena vénia.
-Luís Carlos - disse.
-Menina Constança, por aqui? - Inquiriu-a acusadoramente um jovem nobre que se aproximava.
-James - -exclamou Constança, soltando apressadamente a sua mão da de Luís Carlos.
-Será que é desta vez que me acompanha para um passeio à beira-rio? - Indagou James com o seu sotaque de english gentleman num tom mais agradável.
Constança assentiu, procurando libertar-se da situação embaraçosa em que se encontrava. Ao tomar o braço de James, lançou-lhe ainda um último olhar a Luís Carlos.
O dia seguinte anunciava-se mais quente que anterior. O sol brilhava no horizonte envolvendo toda a cidade num suave despertar. Bem cedo, pela manhã já Constança percorria a Avenida da Liberdade num passeio matinal. Encontrava-se de repente absorvida pelos seus pensamentos quando de repente deu consigo frente a frente com Luís Carlos. Olharam-se fixamente sem saber o que dizer.
-Bom - Dia - disseram em uníssono. Sorriram cumplicemente.
Os olhos de ambos brilhavam. Era como se já se conhecessem desde sempre. Constança sentiu-se invadir por uma onda de afecto e de atracção por aquela figura irresistível. Luís Carlos, oferecendo-lhe o braço perguntou:
- Será que confia em mim o suficiente para me acompanhar a um passeio.
Constança assentiu, incapaz de soltar qualquer palavra. Luís Carlos não lhe disse para onde a levava e ela também não perguntou.
Na tipóia sentiu-se envolvida numa felicidade enternecida, uma onda de calor, vinda do bater descompassado do seu coração, confortava-a.
Sentia-se segura, apesar de mal conhecer aquele indivíduo que a guiava, não sabia ela para onde.
Algum tempo passara, não sabia ao certo quanto, aproximavam-se agora cada vez mais do seu destino.
Ao sair da tipóia constatou que se encontravam numa praia de beleza excepcional. Um areal branco prolongava-se a toda a sua extensão. O mar apresentava-se calmo e com poucas ondas. Parecia abraçar carinhosamente a areia como que numa ternura infinita. A praia era no entanto delimitada por rochedos imponentes e ameaçadores que perturbaram momentaneamente a felicidade de Constança, com um pequeno calafrio.
Constança e Luís Carlos passearam então pela praia.Ao longo dessas semanas, estes passeios foram-se repetindo, tornando-os cada vez mais íntimos e apaixonados.
O seu amor e a sua paixão cresciam de dia para dia, e numa dessas tardes consumaram o seu amor.
Por toda a alta sociedade de Lisboa corriam rumores de que uma das filhas dos Condes de d'Avelar andava a desgraçar o nome da família, ao estar envolvida numa relação desonrosa, desaparecendo todas as tardes.
Nessa semana, James, enquanto tomava o seu afternoon tea na Pastelaria Versailles, sentiu-se incomodado por comentários relativos a Constança que o ultrajaram e repugnavam. Sentiu-se traído. Julgava que o seu amor por ela era correspondido. O ciúme gélido e sentimento de posse apoderavam-se rapidamente de si. Automaticamente surgiu-lhe na mente a imagem do rapaz da tipóia que tinha visto no Terreiro do Paço, segurando a mão de Constança. A raiva apoderou-se dele, decidido saiu bruscamente. A sua mente fervilhava. Virou a esquina; a mansão dos condes d'Avelar estava agora cada vez mais próxima. Procurou acalmar-se.
Eram três da tarde. Nuvens cinzentas cobriam o sol, tornando o ambiente carregado.
Constança caminhava ao longo da Avenida da República, uns passos atrás seguia-a Luís Carlos. Sorria divertida com a situação, era visível a felicidade presente em ambos. Chegava agora à Pastelaria Versailles, subiu o primeiro degrau e deixou a sua mão descair para trás tocando na de Luís Carlos, lançou-lhe um último olhar cúmplice entrou.
O seu olhar prendeu-se imediatamente com o do pai, que a olhava acusadoramente de uma das mesas mais próximas da entrada. A deu lado encontrava-se James que a fixava de uma maneira doentia.
Aproximou-se.
Sua mãe deixava cair pesadamente a cabeça sobre as mãos, apresentando-se pálida e inexpressiva.
Intrigada e um pouco assustada sentou-se.
- O James passou hoje lá por casa - começou o pai - ainda me custa a acreditar. Como é que foste capaz de envergonhar nossa família a este ponto? Já sabemos de tudo. - fez uma pausa, mas vendo que Constança inquieta e preparada para argumentar, continuou - O James para salvar o bom nome da nossa família e impedir a tua desgraça, minha filha, pediu a tua mão em casamento e eu consenti - terminou com firmeza.
Incrédula fazia rolar os seus olhos do pai para James, deste para a mãe e de novo para o pai.
Sentia-se revoltada, como poderiam consentir, sequer sugerir que casasse com aquele inglês que a fixava possessivamente, encarando-a como se ela fosse um bem já adquirido.
- Nunca na vida irei casar com James - exclamou revoltada, levantando-se.
-Constança -rosnou o pai levantando-se também.
Nesse momento tinham conseguido captar a atenção de todas as pessoas da pastelaria.
Constança saiu furiosamente, sem olhar para trás. Cruzou a esquina apressadamente e encostou-se À parede. Não podendo mais conter as lágrimas, estas começaram-lhe a escorrer pela face.
Luís Carlos apareceu à sua frente. Tinha-se esquecido por completo que este ficara à sua espera do lado de fora da Pastelaria Versailles. Impulsivamente envolveu-o num abraço apertado. As lágrimas corriam-lhe agora mais descontroladamente.
Na praia as ondas batiam violentamente nas rochas, o céu estava nublado, escurecendo cada vez mais, anunciando uma tempestade. Constança e Luís Carlos repousavam agora abraçados no cimo do rochedo.
-Podíamos fugir - suspirou Luís Carlos infeliz - longe daqui tudo seria mais fácil –disse, prendendo em seguida Constança num beijo prolongado.
Um barulho fê-los voltar apara trás.
- James? O que... - começou Constança atrapalhada levantando-se de um salto.
- Luta comigo seu cobarde - -ordenou James dirigindo-se a Luís Carlos. Os seus olhos brilhavam de raiva. Luís Carlos de punhos em riste, aproximou-se. Constança sentiu de novo um calafrio. Os seus olhos espelharam-se de terror. Luís Carlos, empurrado por James desequilibrou-se, à beira do precipício e caiu. Constança desesperada, gélida de terror , correu para a beira do precipício e gritando de sofrimento:
- NÃOOOOO!
James pálido e inexpressivo recuava. O seu olhar nervoso e inquieto percorria o horizonte sem no entanto o ver. Olhou uma última vez para Constança, voltou-se e fugiu.
Constança desceu o mais depressa que pôde até à praia. No seu interior residia uma esperança. Caminhava agora entre as rochas. A sua visão estava turva pelas lágrimas que lhe humedeciam os olhos.
Tinha começado a chover. O vestido colava-se-lhe ao corpo dificultando-lhe o movimento. A esperança começava-se-lhe a extinguir, diluindo-se-lhe nas suas lágrimas.
Uma onda mais alta dirigiu-se para ela de uma forma ameaçadora, lançando-a contra as rochas. O mar revolto sugou-a para o seu interior.
Sem Luís Carlos a sua vida não tinha mais sentido. Não valia a pena lutar para sobreviver. Sentiu a vida a abandoná-la. Deixou-se ir. A alguns metros, caído numa rocha, um corpo inerte soltou um último suspiro de sofrimento.
Morgaine e Joana
Este foi um texto de umas amigas nossas que lemos à pouco tempo e que gostámos muito...então resolvemos pô-lo aqui para partilhar convosco esta linda história trágica.
2 comentários:
Realmente este texto está muito bem escrito e a história é fascinante...muito triste mas no entanto cativante!!Adorei completamente...
oh my god...
i just loved it! it's so captivating,so packed with all different kinds of emotions...but so dramatic n tragic...
it's incredible!i wish i could write like tht.. :(
keep up d excellent work!!!;)
Anjali
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